quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A vida é uma puta que nada percebe de justiça



Hoje acordei com uma moedeira na cabeça. Aquela dor que não é muito forte mas que chateia, que nos deixa mal dispostos, com cara de poucos amigos. Estava bem de ver que o dia não ia ser fácil...
No início da semana uma amiga tinha-me pedido ajuda para uma família que está a passar por um momento muito delicado. Ontem chegou-me às mãos o dossier. Uma história trágica como muito outras. Um menino de dez anos a quem foi diagnosticado um tumor maligno no cérebro. Os pais, um casal muito dedicado ao único filho, o filho que muito desejaram e lutaram para conseguir foram completamente abalroados pelo triste diagnóstico. O pai caiu numa profunda depressão e perdeu o emprego, a mãe deixou de trabalhar para cuidar do filho. Às dificuldades da doença somam-se os problemas financeiros. A mim pediam-me que tentasse arranjar uma cadeira de rodas infantil, era essa a prioridade dos pais pois dela depende o bem estar do seu menino. Fiz dois telefonemas. Primeiro consegui a cadeira, com o segundo telefonema tratei de assegurar que a família tivesse acesso ao apoio domiciliário de uma cantina social, por forma a assegurar a alimentação diária dos 3. Enviei uma sms à minha amiga a dizer que estava tratado e arrumei o assunto. 

Hoje a família achou por bem vir agradecer-me pessoalmente a ajuda. E o dossier ganhou um rosto. Dois, para ser mais exacta, mãe e filho, marcados pelas dores da doença mas com o brilho da esperança. E o meu coração rasgou-se. Eu não fiz nada, na verdade limitei-me a incomodar quem tinha poder para resolver esta questão e estes apenas fizeram o seu trabalho. Mas ali estavam, à minha frente, os dois com uma gratidão inexplicável, com uma coragem hercúlea e sem um pingo de revolta por toda a injustiça que estão a viver. A comoção que senti quando tomei conhecimento da situação cedeu  lugar à revolta, à frustração. Que puta de vida é esta que trata assim uma criança, que desgraça assim uma família outrora feliz e funcional? E a dor de cabeça agudiza-se, forma-se um nó na garganta, instala-se um enjoo que me impede de almoçar. 
Desabafo o meu mal estar com uns colegas que me dizem em tom condescendente, "estás a ver, dá graças a Deus pela vida que tens!", mas em que realidade distorcida é que é suposto eu arranjar consolo na desgraça de outros? Tenho que ficar feliz com a minha vida, mesmo não tendo um décimo dos problemas que esta família enfrenta, só por saber que há outros em situação pior? Como é que se ganha alento com o mal dos outros? É que neste momento a única coisa que sinto, para além da dor de cabeça que anda aqui desde manhã, é medo, muito medo desta vida puta.





1 comentário:

Mariana disse...

Fizeste muito, sim. Há pessoas com muito mais possibilidades de ajudar quem realmente precisa e não o faz simplesmente porque lhes dá trabalho.
E sim, a vida às vezes sabe ser muito puta.