quinta-feira, 6 de junho de 2013

Deita fora, deixa que outros reciclem...




A minha mãe tem uma cadeira de baloiço velha. Não suporto aquela cadeira. Está velha estragada e sempre que olho para ela tenho vontade de a deitar ao lixo, ou alimentar o fogo da lareira com ela. De cada vez que se conserta uma peça, outra cai em seguida. Baloiçar nela é uma aventura que pode acabar mal. No entanto a minha mãe tem uma verdadeira adoração pela cadeira, insiste que o tempo útil da mesma ainda não terminou, que as suas mazelas têm conserto, que ainda serve para a sua função. Não compreendo o apego da minha mãe a esta cadeira. Não é assim tão antiga que faça dela uma relíquia. Não a herdou da sua mãe. Não baloiçou nela enquanto embalava os filhos nos braços. É apenas uma cadeira, simples e banal.    
De vez em quando, e só para chatear, volto à carga com a implicação com a cadeira. A minha mãe, que tem pouca paciência para o meu mau feitio, não passa muito sem se irritar e começar a barafustar, a chamar-me de esbanjadora, a dizer-me que não sou nada parecida com ela, que tenho de aprender a guardar e a estimar as coisas mesmo que velhas porque amanhã posso vir a precisar delas, que não devemos desperdiçar, deitar fora por deitar, que devemos procurar arranjar o que se estraga, que devemos aproveitar o que temos...  Numa coisa a minha mãe tem razão, eu não guardo coisas velhas, estragadas, partidas, sem utilidade. Deito fora, deito tudo fora. E não são só objectos inúteis, pessoas também, e sentimentos. Não guardo, não compartimento, não atulho, não preservo o que não me serve. Amanhã? Amanhã não sei mas, algo que não me serve hoje dificilmente me servirá amanhã. Com o tempo ficamos mais exigentes, sabemos o que queremos e temos consciência que um remendo não conserta as coisas, apenas remedeia e, remediado é condição que nunca me serviu. Nem sempre é fácil deitar fora, principalmente quando as recordações são muitas e felizes, quando essa coisa cumpriu na perfeição a sua função, quando mesmo que gasto ainda se gosta. Mas é preciso abrir mão quando já não nos serve, quando o seu tempo já passou, sob pena de acumularmos lixo tóxico que, sem nos apercebermos, nos vai assoberbando, consumindo, desgastando. E isso não é desperdício mas o cumprir do ciclo da vida, dizer adeus para que o velho possa dar lugar ao novo.

Quanto à cadeira, esqueci-me de mencionar que foi a única peça que a minha mãe trouxe da casa que partilhou por 20 anos com o meu pai quando estes se separaram...

3 comentários:

Sílvia disse...

O último parágrafo responde a muita coisa, que eu não sei explicar, mas que um bom psicólogo/psicanalista saberia!!

Quel* disse...

Se calhar o que te esqueceste de mencionar, é o que torna a cadeira tão importante.

Pulha Garcia disse...

Numa palavra: Lareira.

(eu tento cortar com todas as amarras ao passado; as memórias que interessam trago-as sempre comigo, tal como o cartão de sócio do Benfica e o Redpass)