sexta-feira, 14 de junho de 2013

O medo...



É difícil e quase absurdo explicar a pessoas emocionalmente aleijadas que o fundamental é exprimirem-se. Não aquilo que exprimem ou o modo como o exprimem, mas o simples facto de se exprimirem a si próprias. Dá vontade de exortar as pessoas a tentarem seja o que for, desde que isso contribua para a sua autolibertação. Muitas vezes nos disseram que não há nada que seja, em si, errado ou mau. É o medo de fazer coisas erradas, o medo de cometer este ou aquele acto errado, que é errado. «O medo é deixar de semear por causa dos pássaros.»
Parecemos estar hoje animados quase exclusivamente pelo medo. Receamos até aquilo que é bom, aquilo que é saudável, aquilo que é alegre. E o que é o herói? Antes de mais, alguém que venceu os seus medos. É possível ser-se herói em qualquer campo; nunca deixamos de reconhecer um herói quando este aparece. A sua virtude singular é o facto de ele ser um só com a vida, um só consigo próprio. A vida continua sempre a avançar, quer nos portemos como cobardes, quer nos portemos como heróis. A vida não impõe outra disciplina - se ao menos o soubéssemos compreender! - para além de a aceitarmos tal como é. Tudo aquilo a que fechamos os olhos, tudo aquilo de que fugimos, tudo aquilo que negamos, denegrimos ou desprezamos, acaba por contribuir para nos derrotar. O que nos parece sórdido, doloroso, mau, poderá tornar-se numa fonte de beleza, alegria e força, se o enfrentarmos com largueza de espírito. Todos os momentos são de ouro para os que têm a capacidade de os ver como tais. A vida é agora, são todos os momentos, mesmo que o mundo esteja cheio de morte. A morte só triunfa ao serviço da vida. 
 
Henry Miller, in O Mundo do Sexo

1 comentário:

Quel* disse...

Adorei o texto. E fartei-me de rir com a expressão "emocionalmente aleijadas" :b