terça-feira, 2 de abril de 2013

Retratos de família...



A D. Camila era senhora da aldeia. Esposa do senhor Rodrigues, proprietário. O sr. Rodrigues passava os dias à procura de terra para aumentar o seu espólio, cabia-lhe a ela a tarefa de governar a casa e as propriedades. Acordava cedo, despertava a sua prole e, após o pequeno almoço de cevada e pão fresco, mandava os rapazes para a empresa, já às mulheres tocava-lhes ir para a quinta dar de comer aos jornaleiros e cuidar dos trabalhos. D. Camila supervisionava as tarefas, comandava os homens, dava as ordens, tomava as decisões, pagava a jorna com o dinheiro escondido sob o avental. O senhor Rodrigues tinha ar burguês, sempre impecável no seu fato riscado, chapéu inclinado e  automóvel  lustroso. D. Camila tinha ar de mulher de trabalho, o ar das minhotas, faces rosadas, mangas arregaçadas. O senhor Rodrigues sonhava, a D. Camila talhava-lhe os sonhos na medida certa. O sr. Rodrigues idealizava, a D. Camila dava-lhe sentido. O sr. Rodrigues era o capitalismo, a D. Camila a força do trabalho. Juntos eram um quadro de perfeita harmonia. Juntos eram um.
Aquando da Grande Guerra, e com o racionamento de alimentos imposto, D. Camila contrabandeava, debaixo da sua grande saia de roda e, sentada na primeira cadeira da camioneta de que era dona, alimentos para vender aos burgueses do Porto, que sabiam que ali, no escritório da rua Camões, iam encontrar o pão, as verduras e as frutas que escasseavam no mercado. No seu traje de dama  de aspecto impecável, a posar de mulher do senhor Rodrigues, escapava à revista das autoridades. Era assim a D. Camila, uma mulher de garra, uma matriarca que geria brilhantemente a casa e as quintas, uma dama quando assim se impunha, o retrato perfeito de uma minhota de raça pura...

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