terça-feira, 3 de setembro de 2013

um homem pode ser destruído, mas não derrotado...*



Margaux Hemingway by Helmut Newton for Vogue Paris, March 1975 




* Ernest Hemingway, O Velho e o Mar. 


Hemingway está no meu Olimpo de grandes escritores. Gosto do despretensiosismo com que escreve, da simplicidade, do realismo, da forma como prefere mostrar em vez de contar, muito típico nos escritores com raízes jornalísticas. Mas, gosto sobretudo da sofridão que as suas palavras têm impressas. Os relatos de Hemingway são temperados pela dor, e isso passa para o leitor. Uma análise transversal à biografia de Hemingway e teremos a sensação de que ele soube como gozar a vida. As festas, o convívio com outros intelectuais com quem privava e que marcaram a história das artes do século XX, conhecidos à época como a "geração perdida", as mulheres, as viagens, a aproximação do poder, o sucesso e o dinheiro, após a edição de "Por Quem os Sinos Dobram". Mas, tal como qualquer ser humano, e acima de tudo tal como qualquer bom artista, Hemingway vivia também atormentado. No seu livro A Moveable Feast, que tem muito de autobiográfico, Hemingway relata um período conturbado da sua vida passado em Paris, a falta de dinheiro, os trabalhos mal pagos, a fome, a insatisfação. Em determinadas passagens do livro é possível sentir a angústia do autor. Aquela angústia que sufoca, que desespera. Toda a obra de Hemingway é uma tentativa de exorcizar os seus fantasmas, assim como a pesada herança genética que pendia sobre ele. A forma como encarava a vida, sempre no limite (sobreviveu a duas quedas de avião) foi a forma por ele encontrada para conviver com o seu karma, para se sentir vivo. Em apenas três gerações, a família de Hemingway regista cinco suicídios - o pai, ele próprio, dois irmãos e mais tarde a sua neta (na foto). Todos escolheram o dia para acabar com a sua dor, todos foram deuses de si próprios.
É recorrente assimilar o suicídio de Hemingway, e dos seus familiares, a um quadro clínico bipolar, maniaco-depressivo e ao alcoolismo. As razões apenas ele as saberá mas, não choca que um homem que tenha vivido sempre no fio da navalha, um escritor que podia ser o herói das suas próprias narrativas, tenha escolhido sair do jogo no momento em que já não estava em condições para o jogar. Um suicida nem sempre é um doente. 

O suicídio nunca me chocou, sempre achei que cada um deve poder acabar o seu jogo quando bem entender, essa é a mais básica manifestação da liberdade. Para quem fica, é muito difícil de gerir, sabe a abandono, a desamor, a cobardia. Não é fácil aceitar, compreender. Fica a culpa de não ter feito mais, o desespero de nada poder fazer, a dúvida, os malditos "ses". A dor por constatar que há batalhas que valem mais que o amor...




3 comentários:

S* disse...

Eu acho que somos milhões de vezes mais fortes do que achamos.

Pulha Garcia disse...

Não concordo com a "glamourização" do suicídio. Mas respeito a decisão Não sou daqueles que acha necessariamente que é uma decisão "egoísta", "cobarde", "fácil", etc. Seguramente que ninguém está propriamente feliz nesse momento.

MisS disse...

S* eu também acho, embora saiba que não somos uma fonte inesgotável, e há um momento em que a força acaba...

Pulha, não há nenhum glamour em sair do jogo. No caso de Hemingway foi uma espécie de eutanásia, o que me faz compreender a sua decisão. Noutros casos o entendimento não será tão fácil mas, acima de tudo respeito a decisão de cada um. Tirar a própria vida requer tanta coragem como vivê-la.