sexta-feira, 1 de março de 2013

Ó dótóra veja lá isto...



A semana passada a massagista escolheu-me para carpir as suas mágoas. O que era suposto ser um momento de relaxamento tornou-se num entediante monólogo sobre a sua condição clínica  Ouvi, sem ouvir. Tive, contudo, o cuidado de anuir com a cabeça a cada 5 minutos e pronunciar uns condescendentes "pois" e "exacto" a cada 3. O relato foi de tal forma pormenorizado que durou os três quartos de hora da massagem , prolongando-se até  à porta de saída que ansiava mas, que as palavras que ainda soavam, me impediam de cruzar. Fui salva pela entrada de uma outra cliente. Perante a agora maior plateia, precipitou-se enfim a conclusão da história. Agradeci mentalmente ao Senhor, despedi-me com um "há-de correr tudo bem" e saí. Classifiquei aquela conversa como desabafo, não processei a informação e, não mais me lembrei do assunto. 
Hoje, fui abordada por uma senhora de voz esganiçada e cuja cara nunca havia visto: "Ó dótóra.", vacilei, não deveria ser para mim. A mulher insistiu: "ó dótóra". Ainda com dúvidas que fosse comigo, respondi com um tímido: "sim? está a falar comigo?". A mulher logo retorquiu: "sim é com a menina, a menina não é dótóra? é que eu conheço-a. Olhe lá, não gostei nada da sua conversa na semana passada". A minha mente estava completamente turva, não só não sabia quem era a mulher como não fazia a mínima ideia do que estava a falar. "A dótóra sabe, a conversa que estava a ter com a gorda, aquilo são coisas que se digam? então a parvalhona diz que vai fazer queixa à administração do hospital e processar o médico!! A dótóra acha bem?? Isso não se faz, o dótore é tão bom homem. Sabe eu pesava 120 kg andava como uma marreca e agora, dótóra, olhe para mim, estou aqui um borracho de 70kg e tudo graças ao dótóre." Já esclarecida, retorqui que achava bem que ela fizesse queixa se achava que não estava a ser bem tratada, é um direito que lhe assiste. Ao que a mulher dispara "o que ela quer sei eu. Eu já lhe disse como se faz. Eu fui 3 vezes ao consultório particular do dótóre, deixei lá 50 euros de cada vez, chorei, chorei e pouco depois ele ligou-me para eu ser operada. Ela não quer é perder o amor ao dinheiro, assim tem de esperar como os outros". Atónita e sem saber muito bem como reagir a estas afirmações perguntei à senhora se achava este procedimento correcto para com as pessoas que não podem subornar o médico. Resposta pronta: "agora não pode!! quem não pode sou eu que vivo do rendimento mínimo". Imediatamente todos os meus sentidos se despertam perante aquelas duas palavras: rendimento mínimo. Olho agora com olhos de ver para a mulher: cabelo arranjado, madeixas platinadas, marrafa levemente arrumada de lado com uns reflexos cor de rosa, unhas de gel tipo Maya, pintadas com as pontas cor de rosa, riscas de glitter e uma ou outra andorinha, talvez a anunciar a Primavera que se aproxima. Uns pechisbeques a adornar uma toilette demasiado reluzente, como que a iluminar a graça dos agora 70kg. Pensei na minha jornada de trabalho de ontem de 14 horas, todas as luzes vermelhas se acenderam na minha cabeça a piscar furiosamente. Hesitei. Respirei fundo e finalizei a conversa com um: "folgo em saber que o nosso dinheiro está a ser bem empregue".


3 comentários:

Sílvia disse...

A p*** da lata! Mas não é nada que me surpreenda, acho que estamos todos mais que habituados a ver isso! Isso e aquelas que têm rendimento mínimo e dinheiro da filharada toda e deixa-os no infantário... tipo, a sério?!
Mas a tua resposta foi muito boa!

POC disse...

Impressionante o que a senhora consegue fazer com o rendimento mínimo. Está de parabéns (...).

MisS disse...

Sílvia, mas são precisos uns nervos de aço para ouvir aquilo impávida e serena...

POC, era caso para contratar a mulher para gestora... está a perder-se um talento...