domingo, 15 de julho de 2012

Eu frustrada me confesso...


Hoje vou assistir assistir àquela que é talvez a minha maior frustração de infância...

 Na procissão em honra de São Bento reza a tradição que haja um coro de meninas virgens a  cantar ao santo. É decorado um veículo em tons brancos, símbolo da pureza, as meninas são alinhadas numa escadaria e a corista principal tem direito a um elevador que sobe quando esta começa a cantar, dando a sensação de uma aparição. Todas as meninas envergam vestidos rendilhados brancos pirosíssimos, que me maravilhavam. O coro canta quatro vezes ao longo da procissão, e tem direito a banda e tudo. Sempre foi um dos meus sonhos integrar este nicho de meninas bem comportadas e vozes angelicais embora, não me encaixasse em nenhuma destas categorias. No início achava que as meninas eram convidadas, uma espécie de reconhecimento pelo seu exemplo, até ao dia que descobri que afinal prestavam-se provas vocais e o comportamento  era acessório... Num dos anos, lá me apresentei eu às provas, disposta a mostrar todos os meus dotes vocais e surpreender-me até a mim mesma. As provas eram conjuntas e começavam por ordem alfabética, o que me atirou para o lote das últimas a mostrar o que valia. Todas as outras meninas haviam tido a preocupação de decorar o repertório do coro e cantavam-no orgulhosas ao maestro. Quando lhes era pedido para cantar outra coisa, elas lá desencantavam uma composição religiosa. O maestro ia fazendo reparos e pedidos que elas compreendiam e cumpriam, eu estava numa realidade paralela, sem perceber nada. Com o desenrolar das prestações apercebi-me que se calhar a coisa não iria correr tão bem como eu teria pensado, afinal não sabia nenhuma música da igreja e não fazia ideia do que é que o maestro queria dizer com aquelas palavras complicadas.
Chegada a minha vez, o maestro perguntou-me se tinha preparado alguma coisa, não quis dar uma de desleixada e disse que sim. Mandou-me então começar. Senti todos os olhos na sala postos em mim, todo o meu sangue foi ter às minhas bochechas que reluziam de tão coradas. Inspirei fundo, e deixei que a voz que me habita saísse. Foi então que se ouviu o "atirei o pau ao ga-to-to mas, o ga-to-to não morreu-eu-eu...". A gargalhada foi geral, o maestro olhava escandalizado para mim. Eu permanecia com um sorriso malandro. Não fui gozada, porque todos achavam que eu estava a gozar. A minha tentativa de cumprir aquele que era o meu secreto desejo, foi interpretada como uma rebeldia, uma espécie tomada de posição da miúda que só andava com rapazes e, achavam eles, desprezava essas "merdas" de meninas. Tornei-me numa lenda e nunca admiti o meu secreto desejo de ser uma corista virgem.
Hoje confesso, eu queria mesmo fazer parte daquela pirosice.

1 comentário:

Gija disse...

Pois, essa é uma frustração que nos assiste, pois eu em criança também sonhava com essa honra, mas desde cedo tive consciência dos meus fracos dotes vocais... De facto na nossa família, cantores não há, mas em contrapartida beleza e inteligência não falta!!!