terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Arquitectura de uma embirração



Já tive o fetiche dos arquitectos. Felizmente passou. Ficou a embirração. Tenho um amigo arquitecto, uma pessoa bem mais velha, de outra geração, com quem converso muito. Temos visões completamente diferentes da vida e as nossas discussões têm invariavelmente o mesmo guião. A determinado ponto da argumentação ele pega na caneta preta de tinta permanente e, na toalha de papel, numa folha perdida ou no  moleskine, desenha a sua teoria. Eu, que até letras tenho sérias dificuldades em desenhar, perco-me no amontoado de rabiscos e finalizo com um: "olha, a culpa disto tudo é dos arquitectos, é o que é". É uma provocação, ele sabe-o. Mas, e para dizer a verdade, tenho mesmo uma embirração com os novos arquitectos aduladores da Escola do Porto, que se acham Távoras, Sizas, Soutos e Soutinhos, que  sobrevalorizam o aspecto estético e artístico e descuidam a vertente prática, subvertendo assim o próprio conceito de arquitectura. Conheço algumas das escolas novas que foram construídas pela Parque Escolar e, usurpando-me das palavras da ex ministra da educação, aquilo foi de facto uma festa. São edifícios muito bonitos mas completamente desfasados das necessidades e das funções a que se destinam. Detalhes milionários e uma construção paupérrima. De que vale aos alunos que a maçaneta da porta seja Siza Vieira se a sala é um gelo? De que lhes vale candeeiros milionários se a escola não tem orçamento para manutenção? Não teria sido mais profissional (para não dizer consciencioso com os dinheiros públicos) preocuparem-se em construções inteligentes, adaptadas ao meio em que se inserem, sustentáveis? 
Há uns tempos assisti a uma discussão entre uma engenheira (responsável pela supervisão da obra) e o arquitecto. Era uma obra pública (claro!) e a engenheira questionava se podia alterar as papeleiras já que as que ele tinha escolhido custavam 500€ cada (eram 100 ao todo). O arquitecto mostrou-se muito ofendido por questionarem as opções dele e não abdicou das papeleiras (aparentemente eram a únicas que se enquadravam na filosofia da construção!!! - estamos a falar de um parque industrial). E lá jazem 50.000,00€ em caixotes do lixo... 
Há ainda o caso de um edifício (está mais para  mamarracho), aqui para estes lados, responsável  por vários feridos. Consta-se que as escadas não respeitam as fórmulas mais básicas da arquitectura. Nas palavras do artista (arquitecto) ele queria dar a ilusão do prolongamento do anfiteatro e, a  a ilusão é tal que as pessoas espalham-se ao comprido pela escadaria abaixo. As escoriações, fracturas e demais mazelas provocadas são, portanto, danos colaterais em nome da arte. 
Depois há os crimes urbanísticos e atentados à paisagem que vemos por este país fora. E haveria muitos mais exemplos de arquitectos que dão má fama à arquitectura, que sobrevalorizam o supérfluo e descuram o essencial, que nos legam edifícios cuja beleza se esvai na contrária proporcionalidade do seu custo de manutenção. 

(Eu, sei que ainda há os bons, os que conseguem fazer arquitectura para as pessoas e, com rasgos de genialidade, conjuga-la com detalhes estéticos, pena é que não ganhem obras públicas...)

5 comentários:

Ana A. disse...

Arquitetos aduladores, os que enumeraste? Todos eles excelentes arquitetos com um valor internacional já mais que confirmado, mas a dor de cotovelo às vezes é forte e não passa com analgésicos.

Ana

MisS disse...

Cara Ana, aconselho-a a reler o post, para ver se compreende, o português é claro. Eu não chamo de aduladores os arquitectos enumerados (todos génios que aprecio, uns mais que outros é certo) mas, sim aqueles que, por terem estudado na mesma escola (ou nos arredores) acham-se génios da arquitectura e dão-nos pérolas como as descritas no texto.

Já o seu português é-me estranho. dor de cotovelo???

Ana disse...

Mil desculpas, não percebi a ideia. Não sabe o que é dor de cotovelo? Mas agora já não faz sentido.

Andy G. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Andy G. disse...

Concordo plenamente. Às vezes é necessário que as pessoas desçam à Terra e entendam que um trabalho, para ser bem feito, não basta ficar bonito. Precisa de ter conteúdo consoante aquilo a que foi destinado. Sem esse conteúdo a beleza desvanece-se completamente, pois é suplantada por situações como a das escadas do anfiteatro...