quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

É o povo quem mais ordena mas, o povo não és tu...






Comparo a situação do nosso país à casa de um gatuno. Durante anos a fio, o chefe da família chegava a casa com um baralho de notas. A família nunca se preocupou em perguntar a origem do dinheiro, desde que ele continuasse a aparecer. Levavam uma vida larga. Casa na praia, carro alemão, férias quatro vezes ao ano. Comiam lagosta e atum azul, bife Kobe e trufas brancas. Assoavam o nariz a notas de 10 euros. Alimentavam o cão a foie gras e enchiam o aquário do peixinho com água do Hawai.  Nunca se preocuparam em poupar, de onde este veio haveria de vir mais. Um dia o gatuno foi apanhado, deram-lhe duas hipóteses: redimir-se, pagar tudo o que devia, e ajustar-se a uma vida dentro das sua possibilidades ou a cadeia. Entre a espada e a parede o gatuno optou pela primeira. Tentou entrar nos eixos, levar uma vida regada, sem vícios que não pudesse alimentar. A família aceitou, reticente... Ao fim de alguns meses e, em contacto com a dura realidade de viver dentro das suas parcas possibilidades, começaram as discussões. Ninguém aceita abdicar dos luxos que consideram direitos adquiridos. A mulher berra, os filhos berram, a sogra berra. Atiram a culpa para o redimido gatuno. Este arrepende-se não ter optado pela cadeia, pelo menos teria paz, enquanto que a sua família, chamada à responsabilidade que sempre rejeitou, lá teria de arregaçar as mangas e trabalhar, talvez aí lhe dessem valor...
A propósito do que se passou ontem no ISCTE, eu também já fui uma universitária interveniente, e numa das academias mais activas do país. Já aprovei algumas medidas radicais em AG's lotadas, já fiquei presa nas instalações da faculdade porque, numa RGA, alguém decidiu que barricar-nos lá dentro era a melhor forma de protesto. Fiz boicotes às aulas e greves de zelo. Participei em diversas manifestações frente à AR, ao lado de alguns dos que agora ocupam aquelas cadeiras. Mas há coisas que nunca fiz, nunca incitei violência, nunca destruí calçadas e nunca faltei ao respeito à democracia. Ontem aquilo foi um desrespeito à democracia. O Relvas é mau ministro, foi um erro de casting e já devia ter tido a hombridade de se demitir, não há discussão aqui. Mas não é assim que se recebe uma figura de Estado. E, depois de ouvir as razões dos estudantes, ainda menos razão lhes dou. Dizia um, do alto da sua indignação, que lhe cortaram 50% na compensação do passe sub 23. Meu caro, fique o menino a saber que grande parte do país não tem cobertura de transportes públicos. Que há reformados, com magros rendimentos que, para irem à sede do concelho, têm de chamar um táxi e pagar dezenas de euros que não têm. E são essas pessoas, que toda a vida contribuíram para os impostos que estão a pagar a factura de ter empresas de transportes estatais que dão prejuízos imensos. Meu caro, a próxima vez que for tirar o seu passe sub 23, que o menino usa não só para ir às aulas como para ir à noite tomar um copo com os amigos, lembre-se que o que paga por um mês de viagens sem limites, é o mesmo que o Sr. Joaquim em Moscoso paga ao taxista por uma viagem até ao posto médico. Quer mesmo falar de injustiça social? Porque lutar pelo povo implica olhar para lá dos nossos direitos.

PS: Zeca Afonso não se esgota em Grândola Vila Morena. E que tal irem cantar os Vampiros para o nº 2 do Largo do Rato? 


4 comentários:

RCA disse...

E se é para cantar, ao menos cantem afinados.

Muito bom! Não escrevo mais sobre política.

MisS disse...

Então RCA? Porque é que não escreves mais sobre política? E eu que gosto tanto de ler as tuas ironias!

Anónimo disse...

Há pais deses estudantes que não têm dinheiro para os transportes, alimentação e outras coisas que os filhos precisam e TÊM DIREITO para estudar

MisS disse...

Caro anónimo, DIREITOS todos temos, deveres é que parece que não...